1.12.07

OS CONTOS DO MARQUÊS INÁCIO (PARTE 1)

Dez horas. Era um dia quente de inverno e uma pequena multidão se aglomerava em frente à porta giratória. O guardinha barrigudo perguntou sorrindo ao gerente: Pode liberar a entrada? Sim, pode. Aos poucos as pessoas foram entrando: uma velhinha que tremia bastante, um rapaz impaciente cuja perna direita chutava repetitivamente o chão, uma mulher gorda cheia de sacolas com seus três filhos. Quando um homem todo vestido de preto foi passar a porta travou e o guardinha barrigudo pediu a ele que voltasse até uma linha vermelha desenhada no chão e abrisse a pasta que carregava para verificar se havia algum objeto de metal – o homem de preto ofendeu-se e uma pequena discussão se iniciou, irritando as pessoas que aguardavam para entrar na agência bancária. Logo tudo se resolveu e todos entraram, seguiram a linha tracejada no chão e a fila para o caixa cresceu até quase atingir novamente a porta giratória - desta vez do lado de dentro. Pouco mais que quinze minutos se passaram e iniciaram-se novas conversas naquela espera que se tornava mais e mais angustiante. Um senhor baixinho falou em voz alta sobre a indignação que a espera lhe causava, afinal ele pagava seus impostos em dia – a culpa era do governo! - “Uma vergonha, só tem um caixa atendendo” disse uma mulher um pouco atrás. Os três filhos da mulher gorda corriam desembestados para todos os lados até que o menor, empurrado por um de seus irmãos, bateu a cabeça numa coluna e começou a berrar um choro estridente. Um funcionário que trabalhava numa mesa próxima não pode deixar de pensar num posto de saúde e numa enfermeira com uma injeção na mão ao ouvir a pobre criança.
Num dado momento começou um pequena discussão na fila. Um homem começou a polêmica ao tentar defender sua fé – era evangélico – de uma senhora que estava a sua frente – ela era católica. Cada um defendeu o seu ponto de vista (e sua igreja) com unhas e dentes, atacando os argumentos do outro. Como não chegaram a um acordo resolveram perguntar a um rapaz que estava atrás o que ele achava.
-Eu? Eu não acredito em Deus.
Por um instante fez-se silêncio. Todos da fila olharam fixamente para o rapaz, houve um burburinho que começou baixinho e foi aumentando aos poucos até se tornar um falatório tal que ninguém entendia mais nada. Um dos filhos da mulher gorda cheia de sacolas soltou um grito de guerra e passou a perseguir algo invisível até que se cansou e foi se sentar reclamando que queria ir embora. O assunto se esgotou, tudo voltou ao normal, a fila andou naquele ritmo cheio de caprichos que lhe é natural e meia hora depois o cético rapaz chegou ao guichê:
- Infelizmente não podemos receber essa conta aqui senhor, somente para correntistas, procure um canal alternativo. Tenha um bom dia.